marina independente

Marina, independente

Quando escrevi o texto que publiquei no meu site sobre a candidata Marina Silva, não esperava que minha pseudo-neutralidade quando aos dois candidatos não fosse entendida nas entrelinhas. Para tentar esclarecer escrevi para alguns (também postei no facebook) que Marina deveria fazer uma operação cavalo de tróia: Não para levar gregos para dentro de Tróia, mas para devolver os troianos que deixaram a cidade (expulsos, desfiliados etc.) para dentro da Tróia tomada por gregos ‘invitados’ e por troianos silvérios.

No dia 17, Marina declarou (ela e o PV declararam) independência. Não é neutralidade. A independência é também coerência. Como afirmei na crônica anterior e como afirmou Alfredo Sirkis, o PV não aceitou “a clássica negociação ‘pragmática’ de segundo turno envolvendo promessas de cargos” a que o eleitorado brasileiro estava acostumado e que parece causar um incômodo muito grande. Sirkis afirma também que a independência é também humildade, pois os votos dados a Marina pertencem a cada um dos quase 20 milhões de eleitores.

De Marina, era o que eu esperava. Embora a operação cavalo de tróia fosse para mim também uma boa opção, ela se mostrava incoerente. Além da pauta ambiental (por exemplo) assumida pelo PV, também não ser do partido, mas da nação, as posturas dos candidatos atuais demonstram que ambos “são hoje os fiadores desse conservadorismo renitente que coloniza a política e sacrifica qualquer utopia em nome do pragmatismo sem limites”, como afirmou Marina. De modo que a assunção da pauta seria (e está sendo) muito mais um recurso eleitoreiro que um compromisso de gestão *.

Do PV, mais por ignorância que por cautela, eu esperava e desejava a independência, mas temia. (Talvez eu precise por em dia meu conhecimento sobre o trabalho desse partido, que me parece ser o equilíbrio do que sobrou da esquerda, já que parte do PT que não conseguiu aceitar as novas posturas do partido foi para os radicais PSOL e PSTU.) Temia a decisão do PV, até por causa das respostas à outra crônica. Mais de meia dúzia dos meus poucos leitores, já me apontavam o dedo dizendo que a cúpula do partido estava já negociando cargos. Nem tudo está perdido, pelo visto.

Entretanto o que mais me surpreendeu foi o manifesto dos artistas e intelectuais a favor de Dilma. Talvez o apoio deles não some tantos votos quanto somaria o apoio do PV, mas o que mais preocupa não são exatamente os votos. Posso até me equivocar, mas acho a eleição de Dilma inevitável. Por isso, o mais preocupante é o quanto o apoio deles agrega de valor. No manifesto, falam em “garantir os avanços alcançados”. Claros e evidentes, vejo-os e aprovo-os. Mas o apoio no manifesto curto, de poucas palavras, quase ufanista, parece aumentar a grossura do tapete. Onde estavam os signatários do manifesto quando ocorreram no governo atual as mais diversas suspeitas de loteamento político e de desrespeito a direitos individuais?

Diante da decisão de independência do PV e do manifesto dos artistas e intelectuais, nenhum deles neutro, e diante de um segundo turno em que temos que escolher o menos ruim (a julgar que o vice de Dilma deveria se esconder, por ter a cara do opositor), resta depositar a esperança – repetindo o que disse no outro texto – numa representatividade forte de oposição, que represente o sinalizado pelos quase 20 milhões de eleitores do primeiro turno. É lamentável pensar que a maioria dos intelectuais e artistas signatários vão voltar-se para suas canções, romances, textos de reflexão filosófica abstrata e deixar a coisa correr solta. O que nos resta é nos próximos quatro anos não baixar a guarda, colar em Marina e no PV (e também nos mais radicais) e cobrar deles que exerçam além da representatividade que tanto se deseja, um enorme trabalho de autores do nosso estado. Que exerçam um trabalho de auditoria independente.

Abilio Pacheco, professor, escritor.

* Sugiro que seja lida também a carta aberta a Dilma e Serra, escrita por Marina.

4 comentários em “marina independente”

  1. Impressionante a posição o olhar político e crítico do professor.
    Aos que lêem assimilam um discurso realista e positivo. Algo excelente para quem procura ampliar o entendimento do que é política no Brasil.

    Como o professor destacou, Dilma é mais aceitável até pelos intelectuais por sua postura social. Algo que o povo tem como satisfação: um governo que se asemelhe a sua gente.
    E é neste momento que escrevo, as apurações confirmam as colocações do mestre.

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