Analfabetismo político

Analfabetismo político

Que eu tenha minhas reservas à candidatura de Tiririca e de sua eleição, eu tenho. Mas existe o direito do cidadão Francisco Everardo e de seus mais de 1 milhão e 300 mil eleitores. Direito inclusive de não serem ofendidos. Se existe analfabetismo político no caso em pauta, é um analfabetismo diplomado e com calos de estar em bancos de escolas e universidades. Depois do que circulou na net sobre os nordestinos após a eleição de Dilma, a discreta (quase implícita) afirmação de que os eleitores do deputado mais votado do Brasil são politicamente analfabetos é algo que merece nota.

Renato Machado devia estar de folga e lá estava Edney Silvestre que eu admiro da Globo News, do Espaço Aberto – Literatura. A piadinha saiu sem graça. Eu atencipadamente dou-lhe um desconto, mas o fato é sintomático. Não temos no Brasil jornalismo de ancoragem como nos Estados Unidos, mas não sou jornalista e vou ao que acho mais grave: o fato revela o quanto, nestas terras tupiniquins, se avaliam as pessoas por suas escolhas, como nestas plagas de santa cruz se faz um espécie de depreciação por aproximação.

Está mais do que evidente que o mínimo solicitado de uma pessoa para exercer um cargo público elegível por voto universal é ser alfabetizado a ponto de saber ler e escrever no nível mais simples de leitura e no mais simples ato de bolear na ponta da caneta ou lápis e puxar uma perninha para fazer um “a”. Coisa que o cidadão Francisco Everardo já aprendeu nestes poucos dias que teve entre a marcação do exame e sua realização. Está claro que sendo reprovado iria recorrer e teria tempo de aprender. Ora pois, deixe-o tomar assento e descansar-nos do Tiririca.

Também está claro que a responsabilidade por tamanho disparate político não é do eleito nem do eleitor. Um teve o direito de se candidatar, por que não teriam os outros o direito de elegê-lo? Se existe lei que permite alguém que não tem a mínima noção do que faz um deputado se candidatar ao cargo, dá cá a mão que maria vitória está com olhos feito o diabo. Mas ninguém dá a mão. Antes, tomam-nos da palmatória. Até porque usando de seu humor peculiar o Tiririca fazendo campanha para o Everardo, assumiu por este o que milhares de candidatos a deputado não assumem. Talvez por faltar quem o fizesse por si.

Agora dizer que o analfabetismo político ainda grassa no país só por terem em peso votado no Tiririca… Quer dizer que quem votou em médico, advogado, engenheiro, professor… é inteligente só por causa disso? Afinal será que um médico, um advogado, um engenheiro ou um professor, somente por o serem sabem o que faz um deputado. O problema do analfabetismo político no Brasil não escolhe profissão, classe social, nível de escolaridade… é caso crônico. Não o fosse, não teríamos passado o período de campanha como passamos, em que a discussão política foi nula.

Talvez falte no Brasil, pelo menos para quem se pretende candidato a um cargo eletivo, um curso de formação política. Que ensine de fato quais são atribuições e responsabilidades de cada cargo, que ensine como redigir uma lei, o que é o tal do decoro, o que é uma CPI, o que faz cada membro dela, como fazer a redação de um projeto, o que é parágrafo, inciso, alínea etc. Para qualquer outro cargo hierarquicamente menos importante e de menor status social, qualquer cidadão não é obrigado a se submeter a um exame? Pois lá vai a minha utopia: todos deveriam prestar exame para avaliar se realmente dominam tais conhecimentos.

Por enquanto, e até que alguém por lá abrace uma ideia destas e até que ela venha ser colocada em prática, num país tão carente de reforma política, vamos ficando de Tiririca. Lógico que tenho minhas reservas à eleição e à posse do Everardo, mas tenho amor às leis (a algumas): a democracia não se sustenta sem um estado de direito. Deixe que o homem assuma, consertem minimamente as coisas para daqui a dois anos, quando os disparates nas eleições para vereador são priores. Ou não consertem (caetaneando…), talvez o Tiririca e outros semelhantes façam mais e melhor pelo país e pelo povo (de classe média baixa para baixo) que Sociólogos, Politicólogos, Estudólogos, Analbetólogos Diplomatólogos…

Belém, 17 de novembro de 2010.
Abilio Pacheco, professor, escritor

3 comentários em “Analfabetismo político”

  1. Gleyson – Letras 2010 – UFPA

    A Política no Brasil tende a ser negativa.

    Em um país heterogêneo de etnia, ideias e credos, por que estranhamos essa diversificação representada na política, se nossa formação é variada, percebida desde a formação do Estado brasileiro? O analfabetismo é real em uma sociedade que não lê, portanto, não sabe nada de política, exceto uma minoria “cerebros” de formados, graduandos ou leitores atualizados.

    O que falta, cogito, é que a sociedade deixe de se interessar por assuntos ridículos da mídia e esquecendo de ler livros.

    A minha utopia é ver os brasileiros lendo, reconhecendo sua cidadania e buscando na lei seu amparo. Assim nascerá corações patrióticos onde florescerá o sentimento tão discutido de revolução sócio-política.

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  2. Sobre o “Analfabetismo político”.
    Mstre Abílio, sem delongas – faço minha a esseência de sua Crônica, cientificando-lhe que nos anos sessenta, em minha terra natal: Itapipoca-Ceará, contemplada com os climas: Praia, Serra e Sertão, existia um projeto… denominado: Departamento de Iniciação a Política – DEINPO, que enquanto durou acontecia no salão nobre do Clube Social Imperatriz, e congregava a juventude de então, que orgulhosamente o acatava.
    Infelizmente não foi avante mas deixou aquela juventude basicamente informada sobre o que ora se debate.
    Sainda desta vertente, particularmente declaro o seguinte:
    1 – Que os candidatos…antes de se registrarem no Órgão competente…, deveriam pelo menos apresentar:
    A) A Veriador: diploma de conclusão do segundo grau;
    B) A Deputados: estadual e federal: diploma de graduação em curso superior;
    C) A Senador: diploma de graduação em curso superior;
    D) A Prefeito: diploma de graduação em curso superior;
    E) A Governador: diploma de graduação em curso superior e conhecimento… sobre Administração Pública;
    F) A Presidente da República: graduação em curso superior e Especialização… em Administração Pública.
    2) Esquema desta natureza, na prática, diminuirá a odierna polêmica fluida na capanha eleitoral recém-encerrada.
    Então, vamos “convencer” aos representantes nossos de cada dia…à reformar: a Carta Magna e o Código Eleitoral da Pátria amada Brasil, com base no que ora sugiro.
    Quem dera, isto acontecesse, em amigão!
    Mais uma vez, parabéns…

    Abraço.
    Gilford Meneses.

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  3. Tinha um professor meu que dizia o seguinte “só vou acreditar em político, quando o cargo deixar de ser remunerado”, rss. Como é que o indivíduo faria pra sobreviver é uma questão de importância menor, afinal, o Romário, o Tiririca, o Collor e tantos outros, só complementam a renda com a política, não dependem dela… Penso que o requisito fundamental para o exercício de um cargo como o de vereador, prefeito, deputado, senador, governador ou presidente, seja, antes de tudo, a visão social. É claro que ninguém tem isso se não entender de relações de poder, que pode ser aprendida através do sentimento (ex: Madre Teresa de Calcutá) ou do intelecto (ex: Celso Furtado)…

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