O outro e eu mesmo

O outro e eu mesmo

Assisti na TV que existem no Brasil 27 mil Josés Pereira da Silva e que destes 813 tem mães chamadas Maria José da Silva. A reportagem explicava que o levantamento existe por causa da previdência social, que precisa certificar-se da existência real de seus beneficiados. Em caso de homônimos a previdência usa para diferenciar o nome da mãe.

Impossível não ouvir a reportagem, pelo menos impossível para quem estuda literatura brasileira, e não se recordar do início do auto de natal pernambucano: “Morte e vida Severina”, de João Cabal de Melo Neto. Eu, entretanto, lembrei-me também de um episódio bem particular, pessoal. Afinal, onde se encontrar outro Abilio ou outro Pacheco, outro Abilio Pacheco então…

Mas tem, e não tão poucos como eu pensara. Fui advertido por uma aluna quando eu lecionava na Escola Tenente Rego Barros. Uma aluna da sétima série. Quando cheguei à sala no primeiro dia de aula e fui me apresentar, a menina espigoita já havia dado uma googada no meu nome e foi emendando os “abilio pachecos” que ela encontrou na web. Eu ainda não tinha um site pessoal, mas não foi difícil para ela reconhecer qual era o “abilio pacheco” que entraria em sala. Não repito todos aqui, pois não vou privar o leitor da curiosidade e do trabalho de ir também ao Google (se o desejar, é claro!) e lá encontrar um rol de homônimos meus.

Um deles eu já conhecia de nome. Opa! Conhecer de nome é estranho. Digamos que um deles eu já havia dado de acordo que existia. E confesso que tive dificuldade de assimilar que aquele que eu via na TV tinha o mesmo nome que eu. Devia me sentir como as crianças que ao se depararem com alguém com o mesmo nome demoram a aceitar que isso seja possível.

Eu ainda morava em Marabá e cursava o mestrado em Belém. Colocava sempre a televisão para despertar por volta das cinco e meia. Assim eu poderia acordar bem cedo para ler, estudar e – raramente no hotel – escrever. Não sei precisar quanto tempo depois da televisão ligada, ele apareceu num programa sobre agricultura. Sei bem que ainda deitado, em vigília, eu ouvi: “Abilio Pacheco, da Embrapa, nos fala mais sobre…”.

“Abilio Pacheco”!? Saí dos lençóis, pus pés ágeis no chão, erguido cruzei os braços e fiquei olhando para aquele que não era eu, mas tinha meu nome. Ora, mal havia saído do sono. Estava letárgico e o Abilio Pacheco, pesquisador da Embrapa, nem de longe se parecia com o que eu via no espelho, nem de longe falava de literatura e estava explicando algo sobre cuidados com solo e plantis – temas que, confesso, não me agradam ou nem me atraem.

Quando lancei meu mosaico primevo fiquei com vontade de saber o endereço dele e para lhe mandar um exemplar autografado: “de Abilio Pacheco para Abilio Pacheco”, mas não encontrei, talvez não tenha me empenhado muito nisso. Ano retrassado quando Rui Baiano entrevistou-me na feira do livro, por ocasião do lançamento dos três volumes da Antologia Literária Cidade (vídeo) e do meu Riscos no Barro, fui ao youtube procurar pelas entrevistas e lá encontrei meu xará novamente falando sobre Silvicultura.

Existem outros episódios interessantes entre eu e os outros “abilios pachecos” ou apenas entre eu e algum outro Abilio. Ainda bem que estou longe 27 mil Josés Pereira da Silva o que reduz quase a zero a possibilidade de ter um homônimo com mães homônimas. Pelo menos nisso sei que não terei problemas com Previdência.

Belém, 11 de maio de 2011.
Abilio Pacheco

10 comentários em “O outro e eu mesmo”

  1. Sempre que posso saio a procurar os meus homônimo na internet. Parece divertido.
    Saber que um outro “sérgio das candongas” existe, me causa esta estranha aproximação. Gelei noutro dia quando descobri um deles preso por ter matado alguém.
    Quantos amigos distantes, que já não têm mais contato comigo, estão a pensar que este louco sou eu. Logo eu que não mato uma mosca. Triste coincidência.

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  2. Muito legal essa crônica. Nunca me detive na curiosidade de pesquisar se existe outra pessoa que carrega o meu nome.Qualquer dia vou matar essa curiosidade.
    Obrigado por enviar a crônica.
    Depois de um longo tempo, volto as minhas atividades na internet.
    Um abraço.

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  3. olá Abílio Pacheco(que eu só conheço um)não sei se era pra ser,mas, a crõnica tem algo de cômico. como encontrar um “clone” seu e ficar pensando que coindidências levaram a isso.
    abraços
    Rose

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  4. Prezado Abílio Pachco,

    Bom dia.

    Parabéns por mais esta crônica e por todas as outras já escritas, esteja certo que esta, agradou àqueles ligados à literatura e também ao direito. Sabe-se que o nome integra os direitos da personalidade, positivados no artigo 5º da CF e artigos 11 a 21 do Código Civil.

    Um fraternal abraço e continue nos presenteando com seus artigos.

    Arnaldo de Souza Ribeiro

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  5. Vou discordar totalmente de ambos seguidores de seu site à resposta sobre a crônica. Você nos oferece um texto límpido, claro ao entendimento sobre os serviços cartoriais e, sobretudo, em uma atmosfera literária. O que motivou a sua crônica poderia ser contado de maneira mais comum possível, numa linguagem simples que se usa no dia-a-dia. Em uma coisa nós temos em comum: a sua crônica, a mim, também acho, está excelente; um âncora de um programa de televisão com o nome igual: Abílio Pacheco, que o assusta pela coincidência. Quanto João da Silva existem por esse Brasil afora? Que isso pode dar uma baita confusão, dessas de parar numa Delegacia de Polícia, pode. O que vai nos diferenciar de um homônimo é justamente os nomes dos pais. Esses, sim dirão quem somos e à qual família pertencemos; se somos mesmo nós ou não. Sua crônica é, ainda, didática antes mesmo de se apresentar como uma peça literária. Parabéns.

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  6. Oi Abílio, tudo bom? “tá meio ruimzinha” , por quê? A crônica
    é um gênero efêmero mesmo. Não podemos almejar obras primas com o corriqueiro dos materiais. Mas eu gostei, até porque passo por isso. Se você jogar só meu nome no google, verá o tamanho do problema. Primeiro ANTONIO, depois ANTONIO CABRAL, e por fim ANTONIO CABRAL FILHO. É DE ENCHER TELA. ABRAÇOS. CABRAL

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  7. :) Gostei especialmente desta sua crónica, Abílio! Gostei dela e da forma como tratou esse “encontro consigo mesmo”.
    O meu nome é longo. Como nome artístico só utilizo o Brito de Sousa, mas também tenho o Basílio… mesmo assim há nove pessoas, neste Portugal, que têm um nome exactamente igual ao meu! É uma informação que consta do meu antigo bilhete de identidade e nunca me lembrei de me auto-googlar… um dia destes, faço-o mesmo! :)
    Abraço grande!

    Maria João

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  8. O outro e eu mesmo.
    Esta Crônica é fantástica.
    Ela revela o cotidiano dos serviços Cartorários.
    Em linguagem simples e ética, o Escritor e Prof. Abílio Pacheco “sugere” que os genitores…sejam mais cuidadosos no momento do reconhecimento da paternidade dos filhos; exatamente para evitar coincidências desagradáveis.
    Justificativa desta apreciação: Já fiz vistas à matéria…cujo acusado, então, tinha nome e sobrenome igualzinho à outra pessoa, por sinal ilibada perante a sociedade. O que o diferenciava do primeiro era, apenas o nome da mãe…
    Não fosse o cuidado laboral das autoridades… o segundo, fatalmente, seria… suspeito.
    Parabéns, fiel amigo.

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