A porta de vidro
Semana passada, fui ao chaveiro tirar cópias de umas chaves. O molho tinha três chaves. Segurei duas delas e disse que gostaria de uma cópia de cada. Era uma senhora. Ela recolheu das minhas mãos, sumiu e depois voltou segurando a que não era para copiar e disse: duas cópias, certo? Não, senhora – respondi – uma de cada das outras duas. Ela revirou o chaveiro e fez cara de quem entendeu mas não gostou.
Colocou uma das chaves num suporte. Depois tirou e disse: É de uma porta de vidro. Como não disse nada, ela insistiu: Não é de uma porta de vidro!? Eu lhe disse que não. Ela puxou um huuummmm prolongado. Meditou e quis saber de onde era a chave. Disse-lhe que era da porta do apartamento. De vidro? Não, senhora. De madeira. Aprumou matriz e chave lisa no esmeril, resmungou: porta de vidro. Enquanto tirava a cópia da outra chave, dizia: De vidro. É de uma porta de vidro.
Aparou arestas das duas chaves e voltou-se para mim segurando a chave como brandindo: Esta chave é de uma porta de vidro! Convenci-me que não adiantaria discutir. Em qualquer outra situação, eu iria insistir que estava certo, mas havia rodado mais de 170 km (Capanema-Belém), eram quase 16h e tinha alguma fome. Além do mais, não me parecia haver motivo para insistir. Resolvi não teimar. Conforme ela me estendia a chave, eu confirmava que era. Era de uma porta de vidro. Eu pegaria as chaves, pagaria pela cópia e iria para casa.
Ela puxou de uma vez: Afinal, o senhor não disse que a porta era de madeira!? A mulher me desmontou de vez. Não quisera teimar, mas tergiversar parece que não fora a melhor opção. Estiquei um ééééé… Ela inclinou o rosto para um lado como quem dissesse ‘tô te vendo!’. Respirei calmo e disse, procurando um caminho no meio daquela armadilha. Senhora, a chave (hum!!) é de uma porta de vidro (ãh), mas a minha porta é de madeira (ah!).
Ela parecia ter se desarmado e ia me entregando a chave quando recuou novamente e perguntou onde eu morava. Cruzando minha resposta ela emendou a pergunta se eu estava indo para lá. Naturalmente, sim. Essa sua história está estranha, viu moço! Eu vou lá com o senhor. E foi. No caminho, resmungou outros problemas de clientes como eu. Aquilo não era somente uma cópia de chave errada. Seria caso de polícia. A chave era de uma porta de vidro. Conhecia bem aquelas chaves, seus formatos…
Chegamos à porta e lhe mostrei a madeira. Pegou a chave, ela mesma. Enfiou na fechadura e girou. Olhou-me aborrecida. Cobrou-me pelas cópias e pela visita. Paguei sem reclamar. Ela pegou o dinheiro, fez um rolinho e levantou alto como fosse uma vareta e vibrou o braço bradando. A chave é de uma porta de vidro. E ainda de costas reclamou: de vidro!
Belém/Capanema, 07 de fevereiro de 2013.
Abilio Pacheco
Se é real a história, não sei, mas o texto é muito, muito bom!!!
Rosane Roehrs Gelati
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9 de fevereiro
Marísia Vieira
Quando uma pessoa mete na cabeça uma ideia, é aquela que prevalece.
Os teimosos são assim. Os mentirosos também.
Porque eles mentem com tal convicção que acabam acreditando, como se fosse verdade.
Parece-me que este é o caso da “chave da porta de vidro”.
Abraço fraterno
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Muito bom ^^
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Oh, Abílio, mas era porta de vidro, não? Muito inspirador para quem gosta de escrever essa crônica, a teimosia carrega sempre algo oculto. O que será que ela queria com vc, hein. Só te aporrinhar ou lembrava alguém ou dar motivo a uma bela crônica como esta. Alguma razão havia, abç
Camilo
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Adorei!!
Bjos
Jack.
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Hahaha! É cada uma q vale por duas!
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kkkkkkkk….é cada uma que acontece, não é professor Abílio…!!!!?????….adorei o texto (crônica???)…!!!
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