Santa Maria repercussões e lições

Santa Maria: repercussões e lições

Eu continuo estarrecido com a tragédia de Santa Maria. Não digo que cheguei à revolta. Com os desdobramentos, então, aí dá para aborrecer e revoltar-se. Os mortos, as vítimas vivas, seus familiares e amigos não merecem o noticiário. Quando escrevi o texto anterior sabia da dimensão apenas por meio, pela metade. Não haviam me chegado aos ouvidos esse valor absurdo de mais de 200 mortos.

Agora, hoje, dois dias depois é possível ouvir explicações e especulações mais variadas pelo ponto de vista (do técnico em segurança, do político…) e pela postura (daquelas técnicas ao extremo até mesquinhas – na rede social é incontável). O vulgo na maioria da vezes parece querer desembocar num mesmo ponto: eles não voltarão; as vítimas, essas, não voltarão. O que – infelizmente – é também uma ideia-clichê.

Eu vou – como tenho tentado fazer nestas crônicas – seguir na contra mão recorrente. Desta vez com a ajuda da minha ocupação principal. Afinal, qual o papel da educação na preparação dos jovens para a vida em sociedade? A sociedade que não é só o aprendizado para o trabalho e a vivência nas empresas – o tal ‘mercado de trabalho’.

Parece-me óbvio demais – e até lamentável – notar que um ambiente como aquele não poderia ter uma única saída (de emergência ou não). Daí, quem quer que entenda da coisa deve ter passado por lá e não viu. Parece óbvio também que um ambiente como aquele deveria ter uma estratégia de fuga, algum mecanismo de evasão (explique isso aí quem é do ramo) ou houvesse, como há antes de filmes no cinema ou antes da decolagem no avião (e aqui eu mesmo acho a ideia inverossímil ou ridícula) algum anúncio informando como proceder em caso de incêndio. Por isso, deixo essas questões para a imprensa e para os especialistas e me arrisco na outra questão, que embora me pareça óbvia demais, não li nem ouvi nada neste sentido.

Enquanto pensava nesta crônica via meus alunos de Teoria da Literatura queimavam a massa cinzenta com questões que não os ajudarão a escapar de um afogamento, de um incêndio ou de um assalto. Dava vontade de chegar em cada um deles e dizer para não fugir do fogo, mas da fumaça. E imagino que eu mesmo, mesmo nesta idade, teria corrido para o banheiro. Talvez não o faça mais depois de hoje. Nada ficará como antes em nossas vidas depois de Santa Maria.

Existe uma carta que li quando era aluno do Magistério, na qual um índio questiona a forma como nós brancos (cupens) criamos nossos filhos. Repito de memória e talvez falhe em algumas coisas: O branco quer ensinar ao curumim coisas como datilografar, andar de bicicleta, sentar à mesa, usar garfos… Na resposta, o índio pede que o cupen lhe envie um jovem para que a tribo faça dele um homem. É bem provável que alguns dos meus leitores conheçam esse texto.

Muitos jovens da tragédia de Santa Maria, vejo-os como se me olhasse num espelho, eram universitários de graduação ou pós, muitos deixaram filhos. Eles talvez não sejam tão diferentes dos colegas que atenderam um militar, que no dia do casamento, teve a artéria da coxa rompida por uma taça colocada no bolso da calça e que quebrara quando este caiu. Inúmeras mortes poderiam ser evitadas, se houvesse um mínimo rudimento de primeiros socorros. Outras caso houvesse mínimo conhecimento de como proceder em determinada situação.

Talvez me condenem por esse meu pensar. Talvez se a mídia divulgasse algo como “A tragédia em Santa Maria traz à tona uma discussão sobre a educação de nossos jovens” (Mudança de câmera) “como a escola está preparando nossos filhos para os problemas do cotidiano?” a reação fosse de passiva aceitação. As escolas começam a formação dos alunos com o LEC (ler, escrever, contar) e encerram o ensino básico preparando os alunos para o vestibular. As faculdades procuram formar bons médicos, engenheiros, químicos, professores, filósofos… Precisamos de uma educação também para a vida. Que nos prepare para o inesperado: estancar a ferida de um amigo, salvar-se de um engasgo, saber o que fazer em caso de incêndio.

Nosso sistema educacional, e as crianças saem cada vez mais novas de casa, e passam cada vez menos tempo com a família, talvez precise se dar conta também dessas outras necessidades preparatórias para a vida. Isso não teria evitado a tragédia, há uma conjunção de fatores que contribuiram decisivamente e que ainda precisam de explicação, não diminuiria esse sentimento quase sem nome que toma todo o Brasil, não me deixaria menos estarrecido, mas talvez tivessemos mais relatos de sobreviventes e – o mais importante de tudo – estaríamos chorando menos mortos.

Belém/Capanema, 29/30 de janeiro de 2013.
Abilio Pacheco

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