Enem e nem eu hein

ENEM, e nem! Eu, hein!

Ano passado eu escrevi sobre o ENEM em duas crônicas que publiquei aqui e aqui. Mas o problema soa tão recente que não parece ter sido ano passado. Ademais o ministro da Educação (não satisfeito com um vexame por ano e do ano retrasado) querer transformar o ENEM em exame semestral dá mesmo esta sensação de que foi ontem. Num dos textos, eu falo da necessidade de salvar o ENEM. E de novo precisamos salvar o exame. Acusem logo o ministro de qualquer corrupção para que ele cai logo. Inventem qualquer coisa, porque já deu para notar que falta de competência não é suficiente para que ninguém deixe o cargo. Um Cristóvão Buarque até que não seria mal. Que me desculpem os paulistanos, mas tomara que ele ganhe para prefeito caso se candidate. Vá lá, ser descurado numa só cidade que no país todo.

Agora. Vejamos o ENEM deste ano. Tem uma coisa que não faz sentido. Quer dizer que as questões usadas num (pré-)teste ano passado e que, por algum mau acaso, foram parar na prova do ENEM vasaram para um simulado aplicado pelo Colégio Christus uma semana ou três dias antes. Repetindo: questões de outubro de 2010 também presentes no exame de outubro deste ano vasaram para um simulado de uma semana anterior? Não faz sentido. Foi um vasamento anacrônico!? Vamos colocar na ordem temporal: houve um pré-teste em outubro de 2010, o colégio Christus usou questões não-inéditas (provavelmente provenientes das mais variadas fontes, inclusive do pré-teste) num simulado uma semana ou três dias antes do exame e o MEC/INEP reutilizou as questões não-inéditas no ENEM.

O problema se tornou evidente por causa do simulado. Se retirarmos o simulado da cronologia, teremos simplesmente: questões usadas num pré-teste aplicado a 90 alunos em outubro de 2010 foram reutilizadas no ENEM em outubro deste ano. Nos jornais a manchete poderia ser: “questões usadas num pré-teste do ano passado estariam no ENEM”, ou “MEC reutiliza questões de um pré-teste no exame Nacional do Ensino Médio”, ou apenas… Eu pensei que em concursos públicos houvesse a obrigatoriedade de se usar questões inéditas. Pensei também que ao usar questões não-idéditas em concurso fosse plágio. Alguém aí me responde: você já viu alguma situação semelhante em concurso público? Como a mídia nomeio o fato? Talvez as manchetes dos jornais, caso o simulado não tivesse ocorrido, fosse: “Suspeita de plágio no ENEM”. Os mais sensacionalistas fariam a manchete sem a “suspeita”.

Apesar disso, precisamos salvar o ENEM. Afinal, o custo para uma nova prova seria enorme e talvez nem todos os salários do ministro dêem conta de pagar o prejuízo. Mesmo que a nova prova tenha apenas as questões plagiadas ou reutilizadas (não digo que vasaram, porque não é bem o caso no meu entendimento) no Ceará, em Minas e onde mais lá ainda se venha a saber. Parece que não querem fazer o mais simples: anular as tais questões e pronto!

E pronto, nada! Para salvar o ENEM são necessárias outras medidas, dentre elas acabar com o peso das questões de acordo com um hipotético nível de dificuldade. As questões deveriam entrar no ministério público e reclamar por isonomia. Todas as questões são iguais perante a lei. Eu sempre achei fórmula de báscara mais fácil que tirar a raiz quadrada de números com mais de 5 dígitos. Sempre achei análise sintática mais fácil que acentuação gráfica. Ademais, a sabeoria popular é fértil em provérbios que desmentem a teórica dificuldade ou facilidade: “quem como um boi, se engasga com um mosquito”, ou “quebra toras, tropeça em gravetos”, “mata cobras, teme lagartixas”.

Além disso, o que pode parecer extremamente evidente, porém radical. Desvincular o ENEM dos vestibulares! Radical, sim. O ENEM precisa voltar às origens. Precisa ser novamente um exame para avaliar o Ensino Médio. Ouvi exatamente isso do ex-ministro Paulo Renato, quando ocorreram problemas com o ENEM ano passado. Ele disse em entrevista ao Entre Aspas da GloboNews que “não se deve confundir um instrumento de avaliação de um nível da educação básica com um instrumento de acesso ao nível seguinte” (repito de memória).

Sendo o ENEM um instrumento de acesso ao nível superior, para o qual os alunos se preparam em convênios, cursinhos, preparatórios online, o objetivo de avaliar a qualidade da educação (e do ensino) no nível passou a ter um resultado mascarado. Especialmente se pensamos em escolas públicas. Já faz muito tempo que o EM público não prepara para o vestibular, assim como não prepara para uma vivência acadêmica e mal prepara para a vida (bem! aí já é relativo).

Num dos textos do ano passado (no quinto parágrafo de Salvemos o ENEM), eu apontava outros dois problemas do ENEM: a complexidade estrutural que poderia resultar em questões que os nossos próprios professores de Ensino Médio (especialmente das escolas públicas) não dariam conta de responder e os conteúdos nacionais que terminam por nivelar os estudantes brasileiros num país tão desigual. E aqui acrescento um terceiro: como o ENEM é um exame para avaliar uma etapa da educação básica nacional num contexto atual, ele deveria ser realizado apenas por alunos termiram o ensino médio há – no máximo – 3 anos. Alunos que terminaram o EM há mais de 15 anos (como eu), ou vão contribuir para possibilitar uma visão equicada do ensino atual (posto que muitos conteúdos passaram por mudanças, qualquer dia faço uma crônica só dizendo o que mudou nos conteúdos nestas duas décadas) ou vão fazer um preparatório para obter uma boa nota e aí camuflar o perfil do ensino médio.

Acho que apenas assim o ENEM poderá ser realmente “um ensaio para a vida”. Ano passado, disse que os alunos além do exame tinham “que se preocupar com o que escreviam nas redes sociais, pois estavam sendo monitorados” e advertidos para possíveis punições quanto ao que escrevessem (o que é lógico, monitoramento e punição, faz parte do exercício da cidadania, mas a advertência com ares de ameaça, não era absolutamente necessária). Este ano (e eu queira muito que os professores, e principalmente, os 639 alunos da Escola Christus lessem este esboço de crônica) são os alunos de Fortaleza que estão vivendo o tema da redação e estão tendo uma lição de cidadania muito maior do que se esperava ou que se desejava. Estão aprendendo, por exemplo, o quanto, nesta nossa 6ª economia mundial, estamos atrasados quanto ao direito individual, o quanto há de preconceito e discriminação velada, mas que vem à tona quando há oportunidade ou ‘necessidade’ de se defender interesses individuais, e estão aprendendo o quanto o cidadão é menor que o estado; não importa o quanto uns poucos serão prejudicados para que muitos se beneficiem (vejam Belo Monte através do filme “Os Narradores de Javé“). O ENEM mais uma vez não está sendo apenas um ensaio para a vida, pobres jovens de Fortaleza e de outros lugares do Brasil que estão tendo estas lições não só na teoria, mas na prática.

Nós deveríamos estar gratos aos alunos e professores de Fortaleza. Afinal, usar em simulados questões não-inéditas não é nenhum erro ou crime; é prática comum, inclusive recomendada. Se você vai fazer um concurso, veja questões de outros anos ou de exames semelhantes. A gente aprende isso em qualquer preparatório. Não imagino que apenas o ‘trânsito’ do pré-teste para o exame (sem serem utilizadas no simulado) daria tanta repercussão e assim não estaríamos, como estamos, tendo a oportunidade de debater mais e novamente sobre o ENEM. Torço para que sejam fortes e consigam (alunos e professores) ter seus direitos garantidos. E tomara que o governo (a boa mãe Dilma) coloque novamente o ENEM nos trilhos, porque a coisa vai – e não é de hoje – destrambelhada.

Belém, 03 de Novembro de 2011
Abilio Pacheco

8 comentários em “Enem e nem eu hein”

  1. Sou mais radical, Abilio. Devemos abolir as provas de acesso, que, como já até virou jargão, não medem conhecimento de ninguém. Esses exames só servem pra fazer caixa. Deveríamos lutar por melhorias na qualidade do ensino, dessa forma não haveria necessidade de Enem ou de Vestibular.
    Ensino fundamental; ensino médio; ensino superior público e de qualidade para todos!!

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