Operação cavalo de tróia

Cavalo de tróia

Disse na crônica da última quarta que esperava de Marina, senão a independência, uma possível operação cavalo de tróia para levar de volta os troianos expulsos (desfiliados etc.) para a Tróia tomada por gregos ‘invitados’ e por troianos silvérios. Mas hoje já temos o resultado da eleição e, graças a Deus, são apenas dois turnos, o terceiro poderia ser igual a descrição que Einstein fez da possível quarta guerra mundial. Longe de querer fazer um balanço das eleições, pois isso o leitor encontrará em qualquer site de notícias, programa de rádio ou noticiário televisivo, aqui vai uma reflexão, um exercício de pensar.

Nas duas crônicas, de forma mais evidente na última, como um gato mostra/esconde as garras, demonstrei não a minha preferência nas eleições, mas sobretudo minha antipatia e mais ainda minha preocupação. Nos próximos quatro anos, vamos precisar e muito de uma oposição sóbria. Sóbria e verdadeira. A julgar pelas alianças e pelo partido de nosso vice, a “chapa” derrotada é, em relação ao governo vindouro, uma oposição “seis por meia dúzia”.

Não custa repetir que serão quatro anos em que o PV como representação de uma esquerda que resta no país, e representação (ainda, mesmo com o segundo turno) de uma parcela significativa da população que, num país que respeita as diversidades, não poderá ser negligenciada. Não somente o PV (filiados e simpatizantes), mas, sendo já um dever de cidadania, a população brasileira precisará estar acompanhando projetos e seus desenvolvimentos, precisará sempre que possível dar sinais que vencer a eleição não significa receber carta branca para mandar, comandar e coligar-se aleatoriamente em nome da tal governabilidade. Talvez seja preciso lembrar que os artistas signatários ou não do manifesto, mas principalmente aqueles, precisam usar voz e prestígio também em outros momentos que não o da eleição.

Preparemo-nos para esse futuro não tão certo quanto se pensa. Lula, o funcionário público número um, deixará a presidência, o governo. A mão de mando será outra. Ele pode até ter feito a política do não-sabia, ser um falastrão cômico, uma espécie de dom quixote tupiniquim… mas o pior eram as alianças em nome de uma governabilidade desastrosa e a difícil administração de companheiros gananciosos, viciados em práticas políticas condenadas pela esquerda que um dia o PT representou e incapazes de atingir metas do governo ou de pelo menos convencer que as cumpriam. Isto sem contar os desfeitos dos aliados tradicionalmente de direita e, antes, arqui-opositores. Entretanto teve dois vices dignos, sobretudo José Alencar, e uma maleabilidade para contornar crises, seja pelo humor, seja pela ‘inocência’, seja pelo carisma.

Dilma chega ao governo parecendo mais uma marionete que uma pessoa. Mesmo sem ter certeza das acusações de que usava ponto eletrônico ou de que lia bilhetes de assessores, para mim seu discurso soava tautológico, pouco convincente e sem objetividade pragmática, de um vazio político preocupante para quem ainda pisa as utopias. Sua vantagem repousava no fato de que o outro era pior. Além, é claro, do anteparo do presidente, que lhe serviu (nesses dias em que não tivemos presidente) escora política, como ouvi de uma comentarista da GloboNews.

Na verdade, as Dilmas chegam ao governo. Sem pejoração, mas a Dilma do primeiro turno, um pouco mais estável, é bem diferente das que vimos no Segundo Turno. Do resultado de 03 de outubro até o manifesto dos artistas, era uma. Daí para frente outra. Inclusive mais agradável (exceto pelas baixarias de que ambos os candidatos e ambos os comitês têm culpa). Como vamos lidar com as oscilações de humor e como vamos conviver com as Dilmas pode ser algo preocupante, mas não existe coisa que mais cause insônia que o vice.

Já disse no segundo parágrafo como opino, por isso o leitor pode dar uma googada no nome do vice e tirar as próprias conclusões. Não se esqueça de pesquisar a história do(s) partido(s), a carga ideológica do PMDB/PSDB, mesmo não tão expressa como sempre foi a da ‘verdadeira’ esquerda. Veja também que parece muito evidente se foi a galinha ou ovo que nasceu primeiro. Queremos uma esquerda, não para ser de esquerda, mas para ter opção e para que a população brasileira tenha opção. Quanto à operação cavalo de tróia, ela ainda pode acontecer, não para levar de volta os troianos, mas para encher tróia de mais gregos. Nos próximos anos, isto é o que se há de temer.

Belém, 31 de outubro de 2010.

Abilio Pacheco, professor, escritor

6 comentários em “Operação cavalo de tróia”

  1. Senhor Abílio:

    Não o sabia inclinado à política. Isso, de minha parte, torna-se uma falha sem perdão. Qual o nortista (ou nordestino) fica alheado à conjuntura política que atualmente vige nesse Brasil infelicitado por ter concedido a um “gentil” senhor das caatingas o poder maior da Nação?

    Sempre me dei ao trabalho de comentar política em meu blog e nos dos amigos, que se dedicam até hoje a esse mister. Tomei nojo a tudo isso. Não sei a qual estágio se encontra os eleitores brasileiros; as quais patamares estão os nossos “eleitos”. Evito agora tecer comentários sobre política, embora a ame desde que meu pai foi eleito (mas não tomou posse por ter falecido antes) para uma cadeira à Assembléia Legislativa de Natal, RN. Acompanhei toda a sua trajetória, desde vereador e líder do PTB, naquela capital nordestina. Como ex-militar do Exército brasileiro, manteve-se fiel ao rigorismo das casernas: honestidade total, ali e fora dali.
    Gostei de seus textos e de sua oportuna análise.

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  2. Ótima crônica.
    Não acredito que a Marina Silva avance como oposição. Acho que ela será sempre a terceira via e conformada com isso. Não tem gás. Terceira via só serve para melar e tirar votos de quem poderia ganhar.É a via dos indecisos, dos votos de protesto.

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  3. Concordo com a Lúcia e com a Berenice, seu texto é maravilhoso! Tanto literariamente quanto essencialmente. Ou seja, é belo e possui conteúdo… Acho que a Marina era a opção que mais se adequava a idéia de um mundo melhor, porque ela dava prioridade a um conjunto de valores que iam, em larga medida, contra o capitalismo puro, quer dizer, no sentido de uma sociedade mais sustentável do ponto de vista social e, sobretudo, ambiental… O Serra era da direita e, na minha opinião, seria a pior escolha… A Dilma, que é formada em economia, vai ´dar prioridade a um modelo que vai de encontro a idéia de um Brasil-potência; esse modelo não é sustentável, mas, do ponto de vista macroeconômico, gera empregos…

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  4. Estimado amigo e grande Poeta: tua crônica é de um brilhantismo invejável! E as entrelinhas de uma inteligência acima do normal! Teus trocadilhos e citações comprovam o grande escritor e homem culto que és! Parabéns! Teu escrito é consciente, fruto de uma reflexão que poucos saberiam fazer! Mais uma vez, parabéns! És brilhante – tens luz própria –
    e teu texto é original e inigualável, como, aliás, tudo o que escreves!
    Abraços de tua velha amiga e admiradora,
    Berenice.

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  5. Abilio; parabéns pela maravilhosa crônica! Não vou entrar no mérito da questão, porque tenho uma visão um pouco diferente e felizmente, é assim. Porque essas vertentes, advinda de opiniões diversificadas, sinaliza, muitas vezes, algo que não vislumbraríamos, caso todos pensassemos iguais. Mas você foi perfeito!

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